Friday, December 26, 2008

O PROBLEMA DO CONHECIMENTO DE DEUS

FILOSOFIA DA RELIGIÃO

Trabalho apresentado segundo as exigências da disciplina de Filosofia da Religião, do Bacharel em Teologia, sob a orientação do Prof. Luís Dias.

FACULDADE EVANGÉLICA DE TEOLOGIA
SEMINÁRIO UNIDO - OSWALDO CRUZ - RJ - 2003


O PROBLEMA DO CONHECIMENTO DE DEUS

INTRODUÇÃO

Podemos conhecer Deus com a nossa humana inteligência? Num fragmento dos epicuristas:

"Deus se pode ou não, se quer ou não tirar os males?"

Se Deus é invisível, podemos conhecê-lo? Que significa a existência de Deus neste mundo? Que significam os cultos religiosos, se admitirmos que Deus não existe? Que diferença faz, se Deus existe ou não? Muitos cientistas afirmam que é absurdo falar em Deus. A questão da existência de Deus é fundamental para a religião. A pergunta por Deus é inevitável: ser ou não-ser, sentido ou absurdo. O problema de Deus é o problema do próprio homem e do sentido de sua vida.
Grandes pensadores elaboram caminhos racionais, as chamadas provas da existência de Deus. A decisão humana a favor ou contra a existência de Deus nunca é apenas um ato intelectual, mas também da vontade e do coração.

I - O QUE MUDOU NA COLOCAÇÃO DO PROBLEMA?

Os grandes pensadores do passado sempre ousaram enfrentar o tema de Deus, pois incumbe à natureza racional do homem de tentar conhecer a Deus. Entretanto, a religião não se fundamenta no conhecimento racional de Deus. É inútil tentar demonstrar a existência e a natureza de Deus.
No passado, a existência de Deus era reconhecida socialmente, nos tempos modernos, o problema de Deus tornou-se, o de sua existência. A filosofia grega esboçou argumentos como: a inteligência criadora, à suprema idéia do bem infinito, o primeiro movimento universal e a unidade primeira.
A filosofia ocidental, pensou Deus usando os conceitos gregos como: ser, causa, essência, contingente, necessária, fim, etc. Os filósofos gregos não puderam harmonizar sua filosofia com sua religião. Na Física fala de um primeiro motor imóvel, na Metafísica explica o movimento não só por uma causa, mas também por um último fim.
Os filósofos gregos, buscando um único princípio de todas as coisas, não sabiam o que fazer com a multiplicidade dos deuses. O homem antigo vive sob o olhar de Deus ou dos deuses. O grego é o homem que procura a Deus e o judeu é o homem que foi encontrado por Deus.
Quando falta a mediação da filosofia entre Ciência e Teologia, torna-se impossível o diálogo entre o mundo e o Cristianismo. S. Agostinho escreve: "O entendimento é dom da fé. Não queiras entender para crer, mas crer para entender".
Mas a partir dos tempos modernos, a Filosofia rompe com a Teologia. Kant postula Deus como garantia da harmonia entre natureza e liberdade. O homem constituí o ponto de partida para a reflexão filosófica do problema de Deus.
O filósofo quer obter uma explicação do mundo sem recurso ao divino. Os filósofos esforçaram-se por experimentar a Deus intelectualmente. Pode a razão humana chegar até Deus? As dificuldades radicam na noção de transcendência.

II - CAMINHOS RACIONAIS

Aqueles que afirmam que o homem só pode crer em Deus, se antes o tiver conhecido pela razão. Os argumentos clássicos, tenta-se deduzir crítico-cientificamente a estrutura lógica e racional subjacente à vida religiosa concreta do homem.
"Deus é que está acima de toda a substância está fora de todo o conhecimento", o ser divino transcende infinitamente a razão.
Os argumentos de demonstração de existência de Deus: a priori, a posteriori e a simultaneo.

1 - O argumento ontológico

Desde Kant, o argumento a priori de S. Anselmo é chamado ontológico.
Nos primeiros capítulos do Proslogion:

"...o ser do qual não se pode pensar nada maior existe, sem dúvida,
na inteligência e na realidade."

Diz Anselmo: "crer para compreender. Efetivamente creio, porque, se não cresse, não conseguiria compreender". Não parte de uma experiência externa, mas do próprio conceito de Deus. E procura exclusivamente através da razão, provar que o dado de fé compreende a verdade. Anselmo examina o problema do ser do qual não é possível pensar nada maior. Se Deus apenas existisse no pensamento, também podemos pensar que existe na realidade. O argumento ontológico de Anselmo excluindo o caminho da experiência pessoal e do mundo.
Max Scheler adverte o conceito de experiência não deve ser reduzido simplesmente à experiência sensível ou empírica. Até hoje o argumento ontológico é um tema central da Filosofia.
Mas o monge Gaunilo, já objetou que a existência de Deus no pensamento não tem como corolário sua existência fora do mesmo. O argumento ontológico só seria válida para o ser supremo. Entretanto Tomás de Aquino objetou que existe uma diferença entre o ser no intelecto e o ser na realidade.
Para Kant, dizer que "Deus existe" é dizer apenas o conteúdo Deus no conceito Deus, não na realidade. Hegel afirma que "Deus deve ser expressamente o que pode ser pensado só como existente".
Gabriel Marcel afirma que "se a prova ontológica resiste, é porque se instala em Deus desde o primeiro momento". Kant, Locke, Hume e Mercier não aceitam a argumentação anselmiana. Tillich não aceita que existe um caminho (provas), a partir do homem, para chegar a Deus, mas Deus se revela o homem.

"O aspecto teórico foi elaborado por Agostinho, o aspecto prático por Kant. E por trás de ambos, está Platão. Nenhum dos lados construiu um argumento para a realidade de Deus".

Charles Hartshorne, em sua obra Man's Vision of God sustenta a tesa de um Deus cuja essência é realmente imutável, mas que se completa a si mesmo numa experiência progressiva. Aquele Deus estático da tradição greco-romana cede lugar à visão dinâmica do Deus-amor.
Para Norman Malcolm a proposição a priori "Deus existe necessariamente" contém a proposição "Deus existe". Bertrand Russel, em sua obra História da filosofia ocidental diz:

"...ninguém, antes de Anselmo, havia exposto o argumento em toda a sua pureza lógica."

Pode uma prova racional demonstrar a existência de Deus? Parece que não existe uma demonstração racional da existência de Deus que convença a todos, da mesma maneira que não há prova de sua não-existência. A Filosofia reconhece o elemento incondicional na estrutura da razão e da realidade.

2 - As vias de Tomás Aquino

A metafísica tomista é um desenvolvimento do senso comum, porque é filisofia do ser. Tomás aplica sua razão para obter uma compreensão dos mistérios da fé. O que interessava a Tomás era a verdade das coisas. Encontra esse interesse pela verdade no aristotelismo. Dois tipos de provas: a partir da causa ou a partir do efeito.
Tomás de Aquino afirma:

"Há duas espécies de demonstração. Uma, pela causa, ...Outra, pelo efeito, que é chamado a a posteriori."

O núcleo central da prova tomista está no conceito de contingente.

"A verdade sobre Deus, investigada pela razão, só a atingem poucos."

As tradicionais provas que partem da experiência do contingente e se fundamentam no princípio da causalidade eram suficientes nos tempos pré-modernos. As cinco vias de Tomás como provas da existência de Deus:
A primeira via:

"...é necessário chegar a um primeiro motor, por nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de Deus".

Baseado em Aristóteles, todo movimento tem uma causa, o primeiro motor é Deus.
Esta prova é um primeiro princípio do qual depende a série toda.

A segunda via, a causa primeira não causada é Deus.

...é necessário admitir uma causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome de Deus."

Deve admitir-se uma primeira causa não-causada, Deus.
A terceira via, parte do ser contingente ao Ser necessário.

...é forçoso que exista algo que seja necessário por si mesmo e que não tenha fora de si a causa de sua necessidade, mas seja causa de necessidade dos demais, ao qual todos chamam Deus".

Se alguma coisa contingente existe, é porque participe do necessária absoluto, Deus.
A quarta via, baseia-se nos graus hierárquicos de perfeição observados nas coisas.

...há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quando existe, e chama-se Deus".

Deverá existir, portanto, uma verdade e um bem em si: Deus.
A quinta via:

...há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se ordenam ao fim, e a que chamamos Deus".

Há uma inteligência primeira, ordenadora da finalidade das coisas, essa inteligência soberana é Deus. Tomás parte da idéia fundamental de que Deus, invisível, é demonstrável pelos efeitos visíveis. As primeiras três vias fundam-se sobre o princípio da causalidade eficiente e duas últimas sobre a causa final. No máximo se pode concluir que um efeito tem uma causa. Pode perguntar-se, com Kant, até que ponto a teologia pode servir de base para as afirmações filosófico-teológicas.
Kant questiona em sua crítica e Deus aparece como um postulado imprescindível da razão humana. Em todas as provas da existência de Deus pela experiência é problemática a passagem do visível ao invisível.
As cinco vias de Tomás de Aquino nunca pretenderam ser provas físicas, mas teológicas, pois, em seu tempo, ainda não fora rompida a unidade fé-razão e razão-fé. A doutrina tomista sobre a existência de Deus ficou refletida nos documentos do Concílio Vaticano I. Embora se afirme que o meio objetivo, para chegar a um conhecimento certo sobre Deus, são criaturas, visíveis ou invisíveis. A encíclica do papa Pio XII "põem em dúvida que a razão humana seja capaz de demonstrar a existência de Deus pessoal sem ajuda da revelação e da graça divina por argumentos deduzidos das coisas criadas". Ele sentia-se preocupado de que aquela renovação do tomismo começava a decair.
O reconhecimento racional de Deus não precede a fé, a fé em Deus não é mera questão da razão humana. A relação com Deus é uma relação de confiança que envolve a globalidade da pessoa. Nenhum conceito consegue dizer plenamente a realidade de Deus. Ele transcende todos os conceitos.

III - O CAMINHOS NÃO-RACIONAIS

Os caminhos que envolvem a globalidade das dimensões da existência humana: a razão, o afeto, o desejo e o coração. As grandes tradições do pensamento filosófico originaram-se em tradições religiosas previas: na Índia, na Grécia e no Ocidente cristão.
No século XIX, surgiram reações contra a pretensão do homem de captar cognoscitivamente Deus. Grandes pensadores negaram o caráter de prova dos argumentos racionais.

1 - Tradicionalismo e fideísmo

Por tradicionalismo entende-se uma postura conservadora comprometida com a tradição ou o passado. A doutrina tradicionalista pode resumir-se nas seguintes teses: a) a razão individual fisicamente é incapaz de atingir verdades metafísicas; b) é apenas receptiva e passiva, devendo receber verdades de fora através da palavra; c) esta palavra exterior tem sua origem numa revelação primogênia de Deus; d) o homem deve acolher essa palavra revelada com fé.
Os tradicionalistas, dizem que o homem chega a conhecer a existência de Deus em virtude de uma revelação originária à humanidade, transmitida pela tradição.
J. de Maistre, para quem Deus, ao criar o homem, lhe comunicou diretamente sua idéia. A ordem social se fundamenta na ordem moral originariamente revelada por Deus.
O fideísmo é um movimento que limita a função da razão em vista do conhecimento de verdades religiosas. O homem tem acesso a Deus por suas próprias forças e que ele pode conhecer Deus sem Deus.
Karl Barth, protestou contra a Teologia liberal protestante, liderada por Schleimacher. Barth queria retornar à Bíblia, voltar à revelação de Deus, afastar-se da religião e da religiosidade para retornar à fé cristã, voltar-se a Deus, o totalmente outro. Mas a Teologia dialética, mais que uma ponte, lançou um abismo entre a fé e a experiência.
A escola vienense, estabeleceu a tese da fé historicamente originária em um Deus transcendente e único, ou seja, a fé da humanidade num Deus único. A revelação é a fonte última e única de todo o conhecimento, dirigindo-se a um destinatário incapaz de livre decisão. A posição ocupada por Deus elimina a autonomia do homem, a fé é despida da sua plausibilidade racional para tornar-se simplesmente cega.
O Concílio Vaticano I condenou, o racionalismo radical, o tradicionalismo e o fideísmo radicais.

2 - O pragmatismo

O pragmatismo rejeita tanto a via racional quanto a tradição como caminhos de acesso a Deus. A crença em Deus é útil e necessária para sua conduta e ação.
Peirce é o fundador do pragmatismo americano e seus principais representantes são William James e John Dewey.
Ele deriva da tradição clássica do empirismo inglês. O empirismo clássico baseada-se, na experiência passada, tornando-se um patrimônio que podia ser inventariado e sistematizado de forma total e definitiva. Pode considerar-se verdadeira a fé em Deus, se ela for útil para a vida prática.
Uma das características do pragmatismo americano é considerar o conhecimento não como uma função independente mas vinculado ao processo concreto da vida. W. James mantém a prioridade da experiência religiosa com relação à qual é secundária toda a explicação conceitual. O fundamento da religião não é a razão, mas a fé; o sentimento, e as outras experiências particulares como a oração, conversações com o invisível, etc.
Na sua obra principal, As variedades da experiência religiosa, James estuda o fenômeno religioso como psicólogo desde a perspectiva empirista. Para conhecer a verdade, deve perguntar-se: a que conseqüências práticas conduz? Qual é seu valor real para configurar a vida pessoal? Deus não se conhece, não se compreende, mas necessita-se dele como suporte moral, como amigo ou como objeto de amor.
Segundo Charles S. Peirce, as diferentes crenças se distinguem de acordo com as diversas modalidades de ação às quais dão lugar. A função de uma fé religiosa é unir os homens num sentimento de comunidade de esforços e de destino. A idéia de Deus pode ajudar a unificar interesses e energias e estimular ações. "Não se conhece a Deus, não se o compreende, mas precisa-se Dele". Os homens agem como se as ficções por eles criadas fossem realidade. Este é o tema de sua obra principal, a filosofia do como se.
O pragmatismo só vê um aspecto dessa realidade. Experiência e reflexão são inseparáveis. Sem a experiência, a reflexão religiosa é vazia. Não há princípios metafísicos, nem normas morais absolutas que permitam verificar o que é bom e mau independentemente daquilo que se deseja e se considera pessoalmente como bom.
Esta posição é, sem dúvida, perigosa. Pode ser também o ponto de vista de poderosos ou a atitude cética de intelectuais.

3 - O modernismo

Desde fins do século XIX, desenvolveram-se correntes filosóficas, que levam o nome de filosofias da imanência. Por sustentarem a primazia da experiência religiosa interna sobre o conhecimento discursivo.
O modernismo aparece como uma aspiração de renovar a Igreja, embora seus fundamentos são estritamente filosóficos.
Pode resumir-se a doutrina modernista nas seguintes proposições: a) Deus se revela-se imediatamente, sem intermediário, à consciência do homem; b) Deus é antes de tudo um princípio de ação; c) os dogmas nada mais são do que a expressão simbólica e imperfeito; d) a Bíblia deve ser estudada como um documento histórica da humanidade.
O sobrenatural é a "união íntima de Deus com o homem, a prolongação da vida divina na vida humana". Alfredo Loisy, é considerado o pai do modernismo católico:

"A verdade evolui com o próprio homem e nele e por ele..."

Segundo Laberthonière, a verdade filosófica não pode ser uma verdade abstrata, mas uma verdade vivida. Opera-se dentro do modernismo uma mudança radical da própria noção de verdade, de religião e de revelação.
Os dogmas são meros símbolos da vida moral e religiosa, ao mesmo tempo em que a redução da fé ao instinto subjetivo é o único resultado lógico do princípio da Reforma.
O sentimentalismo segundo o qual nosso conhecimento de Deus provém de um sentimento, mas nunca através da razão. A inteligência tente traduzir em representações conceituais essa experiência do Absoluto. Esses conceitos são puros símbolos da realidade religiosa.
Para " provar a existência de Deus, de nada servem as demonstrações da metafísica medieval". "...São as exigências de nossa vida moral e a experiência do divino que se efetua na nossa consciência."
Na encíclica Pascendi, Pie X, qualifica-se o modernismo de "compêndio de todas as heresias", os principais erros do modernismo são: contém o agnosticismo.

4 - A experiência religiosa

Os autores chamados filósofos da religião e da consciência, defenderam a prioridade da experiência religiosa.
Kant havia elevado a experiência religiosa a critério absoluto e independente do pensamento objetivo, com a separação entre razão teórica e razão prática. A única prova da existência de Deus é o sentimento religioso e a experiência do divino.
A palavra sagrado ou santo, para R. Otto, é a palavra chave de toda a religião, ele mostra que a religião se compõe de elementos racionais e não-racionais. O mistério é aquilo que excede o pensamento, o homem sente-se diante de uma realidade, sem poder aplicar-lhe nenhuma das categorias cognoscitivas racionais. R. Otto quer recuperar todo o aspecto não-racional ou pré-racional da religião, através da análise da experiência.
Segundo Schleiermacher, o sentimento do numinoso, deve ser uma "faculdade que permite conhecer e reconhecer genuinamente o santo em sua manifestação":

"A verdadeira divinização...se preocupa com a significação e se o fato é um sinal do sagrado".

Pensadores católicos falaram da experiência religiosa que engendra a verdade. Gardini diz que: "só a experiência religiosa consegue que a demonstração se ponha em marcha, que acerte a direção a seguir".
André Fossard publicou um livro: "Deus existe: eu o encontrei", relatando a experiência pessoal de seu encontro interior com Deus. Pode crer-se autenticamente em Deus sem provas racionais. Experiências que podem ser testemunhadas, mas não demonstradas.

5 - A experiência social

Muitos sucumbem à tentação de buscar o acesso a Deus simplesmente pela revolução social. Líderes só admitem Deus como quem acompanha e ajuda seu povo oprimido em sua revolução libertadora. Confunda-se Deus com interesses de classe ou de grupos.
Buscando um Deus prático relacionado inteiramente com nossa vida individual e social.
Leonel Franca, em sua obra O problema de Deus, disse: "A nobreza da religião que consista em elevar o homem a Deus degrada-se baixando Deus ao nível do homem.


IV - CAMINHOS NÃO EXCLUSIVAMENTE RACIONAIS

A intuição faz sentir a Deus em uma presença, enquanto que as demonstrações racionais, fazem de Deus um conceito.

1 - Via intuitiva

A intuição significa a captação global da realidade de Deus, sem discurso explícito das razões que fundamentam a verdade de Deus. Nicole Malebranche defende a tese de que Deus contém em si mesmo todas as idéias como arquétipos das coisas.
Segundo o ontologisto Rosmini, nós temos uma intuição do ser possível ou ideal, a idéia do ser é uma abstração tirada não da realidade das coisas mas de Deus. Segundo Gioberti, a mente humana conhece as coisas objetivamente porque as contempla em Deus. Tal visão das coisas em Deus chama-se ontologismo.
A tese dos ontologistas inspira-se no agostinianismo, com sua teoria da iluminação direta do entendimento humano, por parte de Deus. O problema colocado pelo ontologismo é o seguinte: pode o homem ter uma percepção direta e imediata de Deus?
Os bispos de Nápoles e Perugia propuseram o anátema à proposição de que "o conhecimento, direto e imediato, de Deus é natural ao homem".

2 - Experiência consciente de Deus

É o conhecimento imediato de Deus mediante uma experiência consciente da presença divina nas criaturas ou na alma. S. Agostinho afirma que Deus aparece demonstrado na própria estrutura da alma, possuidora da fé. O princípio da verdade ilumina nossa inteligência para que percebamos a verdade mesma, imutável e eterna: o Deus revelado.
S. Boaventura pensa que a existência de Deus é evidente para a alma. O Deus de S. Boaventura não é resultante de um exercício mental, mas o Deus da experiência religiosa e cristã que se manifestou no interior do homem. Se a existência de Deus necessita ser demonstrada, é por defeito de nossa mente. "conhecemos a verdade, não somente mediante a razão, mas também pelo coração". (Pensamentos, Pascal)
A lógica da razão deve ser acompanhada da lógica do coração.
O Padre Graty escreveu um dos melhores livros filosóficos sobre Deus: "De la connaissance de Deus", segundo ele, o homem tem: a inteligência e a vontade. O sentido é o centro da pessoa humana e é triplice; a) o sentido externo; b) o sentido íntimo; c) o sentido divino. Não se deveria falar de demonstração mas mostração de Deus, porque através do sentido se dá um contato com Deus, pois a alma percebe sua imagem refletida.
O ateu é, para Graty, o homem privado deste sentido divino. Se, para Kant, Deus era uma idéia, para Newman Deus é uma presença, isto é, uma realidade pessoal que se revela na consciência fiel. As provas só são eficazes para quem cultiva as razões do coração:

"Quem de vós não creu nesta existência antes de demonstrá-la?"

3 - Experiência de nossas vivências

J. Maréchal afirma a existência de Deus desde o dinamismo intelectual do conhecimento objetivo, o método dele consta de três passos fundamentais:

a) uma análise reflexiva; b) uma afirmação absoluto; c) o
estabelecimento do valor objetivo absoluto do objeto.

Maréchal comentava a posição de Le Roy:

"...uma prova que se apoiasse nas experiências progressivas de boa
vontade em atitudes de busca, poderia levar à afirmação de Deus".

Na sua famosa tese do dinamismo do ato e da analogia:

"O dinamismo recela a limitação do ato."

O metodo de Maréchal parte da consideração do próprio pensamento humano e observa que estamos colocados no absoluto. Maurice Blondel parte da convicção de que a Filosofia não é conhecimento puro e abstrato, mas "aspiração infinita... para realizar o ideal do sábio". Deus brota do dinamismo interior da mente e da vida.
Para Max Scheler, todos os valores encontram sua fundamentação no Valor Supremo, em Deus como pessoa. Ele distingue o conhecimento religioso com um conhecimento valorativo cujo fundamento se encontra no emocional, em atos constitutivos da pessoa humana como amor. Como este é um doar-se, justamente no Amor, Deus e homem se encontram. Assim o caminho para Deus é um ato de amor. Scheler situou Deus na "percepção emocional imediato".

"O objeto dos atos religiosos é, ao mesmo tempo, a causa de sua
existência".

O conhecimento de Deus é o conhecimento, para ele, de uma presença, que não pode ser pensada a não ser como pessoa.
É impossível entender o homem em profundidade sem a referência ao Absoluto.
O conhecimento religioso é um conhecimento de Deus mediado pelo próprio Deus. O conhecimento metafísico pode captar o caráter pessoal de Deus, mas nunca atingirá o cerne da pessoa de Deus, ou seja, o amor infinito.
Para H. Bergson, a intuição instala-se no coração do real, permite o acesso ao centro do eu para onde não chega a reflexão subjetiva. Bergson afirma que o homem só pode se aproximar de Deus através da experiência.
Em As duas fontes pergunta:

"...o que a filosofia nos pode ensinar sobre um Ser transcendente ...e determinar então a natureza de Deus raciocinando sobre o que a experiência tenha dito?"

Os profetas e os místicos cristãos testemunharam, com sua experiência, que há algo transcendente a todo o élan, que é Deus, situam a realidade de Deus na experiência humana.

...se o misticismo é tal como eu disse, deve proporcionar o meio de abordar de algum modo, experimentalmente o problema de Deus".

Ele vê a religião dinâmica, a religião continua o impulso criador da vida e tende a formar a vida mais perfeita para o homem no impulso místico. O próprio Bergson teve que defender-se sua visão contra varias acusações.
Eduardo Le Roy, na sua obra, o pensamento intuitivo, viver significa crer em Deus; conhecer Deus significa tomar consciência do que está implícito no ato de viver.
Para Gabriel Marcel, deve haver uma experiência do transcendente, por isso não nos aproximamos de Deus por deduções racionais, mas através das experiências totalizadoras: a fidelidade, a esperança e o amor.
A experiência de Deus surge no homem de uma busca originária do absoluto, de uma "experiência de transcendencia". Na obra Experimentar Deus hoje, Leonardo Boff diz:

"Vivência não é sinônimo de experiência. É conseqüência e
resultado da experiência na psique humana."

Boff mostra que a experiência é sempre feita dentro de um modelo prévio e de perguntas previamente colocadas. A questão de Deus é a questão do sentido da vida, da história e do mundo. Ele disse: "Deus emerge como experiência no esforço gigantesco que se faz por todas as partes para arrancar da América Latina do atraso e da inumanidade". Quando isso acontecer e nos sustentar emerge aquilo que chamamos Deus.
Como a religião, também a Filosofia procura responder à mesma exigência do homem: encontrar sentido para a existência. Hoje, a Filosofia pode tentar novos caminhos, salientando os aspectos da experiência humana nos quais a existência se mostra aberta para o Absoluto.

4 - Experiência mística

A mística é um fenômeno universal, perpassa todas as religiões, é o adjetivo derivado de mistério.
Trata-se de uma experiência imediata de Deus ou simplesmente do Uno. A mística apresenta um caminho duplo: A primeira via é a da experiência do deserto, da pobreza, da noite do esvaziamento interior e exterior. A segunda via é a do engajamento no mundo, para descobrir Deus em sua intimidade. A mística testemunha um conhecimento sem mediação de conceitos, modelos e palavras.
No século XIV, separam-se razão e fé, e as verdades teológicas são colocadas para além da razão. Os grandes místicos cristãos são Eckhard, Santa Tereza, S. Francisco de Assis e S. João da Cruz entre outros. A mística do alemão Eckhard é conhecida com a doutrina de que a idéia do homem, o seu modelo exemplar, de que é imagem, é o próprio Deus.
Os graus progressivos da ascensão do homem a Deus: o pensamento, a meditação, a contemplação e o êxtase.
H. Bergson escreveu:

"O amor místico coincidindo com o amor de Deus por sua obra, amor que tudo fez, ele revelaria a quem soubesse interrogar o segredo da criação".


V - CIÊNCIA, FÉ E RELIGIÃO HOJE

Como se relaciona a ciência com a fé e a religião, no Ocidente, hoje? Cada geração pergunta, sempre de um modo novo, pelo sentido da vida humana e do mundo como tal.
O Cristianismo tinha o prestígio quase total na Idade Média. Hoje mudou. O que domina, no Ocidente, é a crença na ciência e a técnica que conquistaram o prestígio, o edifício da ciência não parece tão seguro, não são o amor, a filosofia e a religião tão importantes para o homem como a própria ciência?
Hans Küng, em seu livro Existe Deus? Constata que as conseqüências negativas do progresso técnico-ciêntifíco colocaram a questão ética da responsabilidade. Os psicanalistas admitem o nexo entre diminuição da religiosidade e a desorientação na vida. Constatamos uma agressividade contra a forma institucionalizada da Igreja, seu doutrinalismo e conservadorismo. Religião autêntica busca fundar o sentido último no absoluto ou em Deus.
Julian Marias escreve em sua História da Filosofia: "Uma vez que o homem se sinta seguro, Deus, já não interessa". A racionalidade científica não se preocupa com questões como origem e destino absolutos do universo.
A fé não se caracteriza pela objetividade e intersubjetividade crítica da ciência. Envolve o próprio sujeito no relacionamento existencial com Deus. Mas a fé em Deus sempre está ameaçada pela dúvida e pela descrença. Do ponto de vista humana, a fé se caracteriza pelo livre engajamento pessoal. A fé sempre é decisão pessoal e livre.
A fé estabelece uma relação pessoal imediata, de maneira análoga ao amor. Sua estrutura é diádica. Como chegamos à relação eu-tu com outra pessoa? O conhecimento científico é mediato. Sua estrutura é triádica: Eu provo algo a alguém.
Quem crê num Deus para todos os homens, perceberá que, tendo um pai comum, é possível a fraternidade universal. Quem crê em Deus Criador do universo, não pode negligenciar o mundo como obra de sua bondade, pois dizer sim a Deus implica um sim a toda a sua obra, e dizer não ao mal e fazer todo para superá-lo.
Quem hoje crê em Deus deve lutar por fraternidade, justiça e progresso na ciência, sem limitar-se ao conhecimento científico.




ZILLES, Urbano - O problema do conhecimento de Deus - Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1989




APÊNDICE

Segundo o Pensamento da Unificação, o homem é decaído, ou seja separado de Deus, seus pensamentos tornaram-se profanos, ou separado do pensamento "celestial". Muitos pensadores formaram suas filosofias de acordo como as necessidades da idade e do ambiente. Cada pensamento pode ser vista como um degrau de uma escada subindo da terra para o céu. Os pensamentos da história sejam de Platão, Kant ou Hegel, ajudaram a resolver "O Problema do Conhecimento de Deus" passo a passo. O propósito do Pensamento da Unificação é de completar este processo e de responder as questões fundamentais que ainda não foram respondidas pelos pensamentos tradicionais.
O primeiro problema é da "existência", e o segundo é como todos os seres existindo se relacionam, ou seja o problema dos "relacionamentos".
O homem foi criado na imagem de Deus, então precisamos entender a Imagem Original. Kant, Hegel e outros tentaram explicar sobre Deus, mas não conseguiram respostas completas, a Teoria da Imagem Original do Pensamento da Unificação apresenta as soluções do Problema do Conhecimento de Deus.



LEE, Sang Hun - Explaining Unification Thought - Unification Thought
Institute - New York - 1981

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